quarta-feira, 9 de abril de 2008

Avaliação de Conjuntura de "Pela Qualidade de Nossa Geração"


“Bastaria o tempo todo de viver
Vasculhar a terra até o mar
Pela claridade da nossa casa, até cansar
Pela qualidade da nossa geração.”
(Beto Guedes e Ronaldo Bastos)

Companheiros,
Timothy Mullholland é cachorro morto. A leitura atenta dos jornais de hoje e das notícias de ontem deixa isso claro. Ninguém o apóia. A opinião pública já o condenou. O Ministério Público apresentou a denúncia formal. Fernando Haddad lavou as mãos. Mas não é só isso que se pode concluir da leitura dos jornais de hoje. Com Mullholand cachorro morto, a bola da vez são vocês. Os colunistas atacam o reitor – Elio Gaspari faz isso no Globo, Jabor (um babaca, mas formador de opinião) fez isso na CBN ontem. Mas o noticiário propriamente já sinaliza que as marés mudam.
Fui, desde a primeira hora, favorável à ocupação. E continuo do lado de vocês. Por isso mesmo, penso que talvez seja a hora de parar e refletir. Surpreender a opinião pública talvez seja a jogada de mestre que falta para que o movimento consagre a sua vitória e saia fortalecido, em vez de desgastado.
Vamos aos exercícios de reflexão.
. Mullholland perdeu a oportunidade de uma saída honrosa ao não se licenciar quando as primeiras denúncias surgiram. Fez um papel patético na CPI, e novamente na coletiva de ontem, ao dizer que “a UnB tem sofrido críticas e ataques da mídia por conta do arrojo dessas políticas [de inclusão social e racial] e da vontade que temos de alcançar o jovem brasileiro de baixa renda, o jovem da periferia, o jovem negro, o jovem indígena.” Entenderam a sutileza do sofisma? Quem reage à expansão da Universidade para camadas menos favorecidas? Os filhinhos de papai que entram para a UnB. Os filhinhos e os próprios papais – uma das matérias do Correio Braziliense de ontem, muito simpática, mostrava que os ocupantes têm apoio dos pais, que levam comida, roupa limpa etc.

. Timothy, repito, é cachorro morto. Nem Fernando Haddad, mentor das políticas sociais, comprou essa desculpa. “Se há [alguma reação às políticas], não tenho nenhum conhecimento de que possa haver essa correlação”, foi o que ele disse – mas só o Globo reproduziu.
. Paralelamente, a UnB divulgou uma lista de serviços que estão paralisados com a ocupação. Não sei nem se a lista confere, e é claro que muita coisa é feita em rede – ou seja, se a reitoria está “fechada”, os serviços podem ser feitos em outros computadores. Mas isso, numa guerra, não vem ao caso. Enquanto a ocupação durar, eles vão embaçar TODAS as rotinas possíveis e jogar a culpa na ocupação. Ainda que a folha de pagamento possa ser rodada em outro canto, o pagamento muito provavelmente vai atrasar – pra todo mundo ficar puto, porque o bolso é o ponto nevrálgico da maioria dos cidadãos comuns. Bolsas? “Infelizmente não dá, a reitoria está ocupada”. Carimbos, expedientes burocráticos para estágios etc.? “Puxa, a gente até que queria, mas como?”
. Os jornais vão cansar da ocupação. Os nacionais já mostram isso. O Correio Braziliense está empolgado, mas sabemos que a empolgação do Correio dura pouco. O Jornal de Brasília é contra a ocupação. Tomar a USP como exemplo é uma faca de dois gumes. Até eu, cidadão bem informado, tive que recorrer ao Google para lembrar como foi que terminou a ocupação de 50 dias de lá. Ninguém que não esteja diretamente ligado ao movimento estudantil sabe mais nada a respeito disso. Caiu no esquecimento. Vivemos num turbilhão de desmandos e escândalos, e o próprio Timothy já resvalava para o esquecimento, não fossem vocês.
. O escândalo da hora, talvez vocês não estejam acompanhando, envolve a sucessão do Lula, a Casa Civil, a Dilma Roussef. No Congresso, articulam-se CPIs sobre o uso dos cartões corporativos.
A denúncia contra Timothy pode vir muito bem a calhar para desviar a atenção dessa confusão, dividir a cobertura. A imprensa, vocês sabem, trabalha como cachorrinho: joga-se uma bolinha e todo mundo sai correndo atrás, largando o brinquedo anterior. Pode ser bem interessante jogar uma nova bolinha, pra depois voltar para o brinquedo, quando se lembrarem dele. Funciona por espasmos. A ocupação foi um espasmo, e o interesse, não se iludam, não vai durar.
. Se o objetivo é derrubar o reitor, o caminho está aberto com a “ressurreição” do caso graças à ocupação. Estendê-la agora, na minha humilde opinião, seria avançar no caminho do esvaziamento, do esquecimento, da desmobilização.
. Por outro lado, uma decisão do tipo “desocupar para manter a ocupação” seria mais inovadora, surpreendente, madura e inteligente. Desocupar as salas da reitoria, mas manter vigília permanente enquanto se acompanha o desdobramento da denúncia do MP deixa o movimento numa posição confortável e estratégica. Pensem bem.
. Meu palpite é de que Timothy cai fora tão logo vocês desocupem a reitoria. Mas, se não o fizer, terá de chegar todo dia ao trabalho e receber uma vaia, ouvir palavras de ordem. Um ovo, uma torta, quem sabe? Uma torta por dia, imaginaram o nonsense midiático disso? Todo dia, quando ele chegasse para o trabalho, haveria alguém com uma torta na mão, pronta para atirá-la. (Na próxima ocupação, vocês certamente já iriam encontrar um chuveiro!! hahahaha). Se ele fugir disso, será um covarde. E ninguém segura essa onda por muito tempo. Diante da denúncia, ele pode dizer que vai sair para aguardar a manifestação da Justiça (“na forma da lei”, como disse ontem). "Me engana que eu gosto": ele finge que acredita que é uma saída honrosa, e está resolvida a situação. É claro que é a capitulação o que gostaríamos de ver. Mas o que importa são os fins, e não os meios. Ou não?

. Estando dentro da reitoria, só há um movimento possível: sair. Pode-se sair espontaneamente ou pela força. Pode-se sair triunfalmente ou pelo cansaço, vitorioso ou derrotado, mas de dentro só dá para sair. Ficar não é movimento, é manutenção. Dali, não há mais para onde ir. Do lado de fora – do saguão, numa vigília permanente, mantendo o povo acampado, numa ocupação simbólica – vocês terão sempre a possibilidade de reocupar, de gerar um fato novo, de manter o estado de tensão, a “faca no pescoço”. E isso sem dar à reitoria a oportunidade de transformá-los em bode expiatório, ou às forças reacionárias munição para desmoralizá-los.
. Caindo agora ou vagando como alma penada por mais um tempo, o fato é que Timothy “já foi” . E o mérito é de vocês, com toda a honra. Não devemos desprezar as lições de quem vê a luta como arte, mais do que como confronto de força bruta. O I Ching, Sun Tzu, Maquiavel e Clausewitz, nenhum deles subestimou a força contida no recuo estratégico, e um grande felino, como um tigre ou uma pantera, sabe instintivamente que é preciso dar aquela recuada para alavancar uma posição de força antes do ataque. Até jogadores de futebol inteligentes sabem que “sair por cima” lhes garante uma sobrevida muito maior do que agonizar em praça pública.
A ocupação da UnB já é vitoriosa. A queda de Timothy é uma questão de tempo – graças a vocês, que se mobilizaram e colocaram até o Estado em movimento. A hora agora, a meu ver, é de capitalizar essa vitória antes que as forças contrárias – e sabemos que são muitas – levem adiante o propósito de anulá-la.
Saudações a todos vocês, com o orgulho de ver que a geração que a minha criou “não vai ser igual àquela que passou”, a dos mauricinhos umbigocêntricos dos anos 90.

Um comentário:

tataflorentino disse...

apoio à saída com dignidade! já se conquistou o afastamento do timóteo de dentro da reitoria, agora é ir pro campous todo pra conquistar o resto!