quinta-feira, 24 de abril de 2008

Carta "Paridade Já", de Mariza Monteiro Borges

Reocupação da reitoria- em abril de 2008 os estudantes forçam a passagem da rampa, vigiada pelos seguranças da UnB, que em 2005 foram convocados em forma arbitrária pelo ex-reitor Lauro Morhy para a reunião do CONSUNI. Esta reunião estabeleceria a manutenção das regras eleitorais, incluindo a não paridade, em uma série de irregularidades, como a dificuldade do acesso de alguns conselheiros e a votação antes do horário estabelecido. Timothy, que fora vice-reitor das duas gestões de Lauro Morhy foi então eleito reitor.


Essa discussão se deu em 2005.
Primeiro a resposta, depois a carta da diretoria da Adunb.
acho que pode nos ajudar.

abraços,

PARIDADE JÁ!


Carta aberta para Doris
Mariza Monteiro BorgesProfª Aposentada do IP/UnB, Presidente da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia

Dóris,
Mesmo aposentada, não deixei de me preocupar e de me interessar pelo que ocorre na UnB. Não resisti aos seus cinco pontos e decidi falar sobre o que você escreveu, ou melhor, expressar a minha compreensão sobre o que você escreveu.
Antes, porém, acho que é bom deixar bem claro de onde falo. Falo como ex-aluna da UnB (graduação e pós-graduação), que militou, discretamente, no movimento estudantil. Falo como ex-professora (1979 - 2002) que não se furtou a participar da gestão acadêmica nos níveis do Instituto de Psicologia, do meu Departamento, da Câmara de Graduação, do CEPE, do CONSUNI e do CAD. Falo como associada da ADUnB e como membro da diretoria da ADUnB- Seção Sindical em 2000/2001. Falo como membro da comunidade universitária, professora aposentada. Falo como membro externo, isto é, como alguém que observa o processo eleitoral sem dele participar oficial ou oficiosamente. Pelas normas em vigor, não sou elegível, não sou eleitora e não participo de qualquer grupo ou articulação em torno de algum candidato a reitor.

Ao tocar na questão do direito de votar e ser votado, saio do Campus Universitário e lembro que a democracia no país ainda precisa ser aprimorada. Pertenço a uma geração de brasileiros e candangos que só pôde experimentar o exercício da cidadania pelo voto quando já era maior de 40 anos. Conquistar ou reconquistar aquele direito foi uma longa e dura batalha que passou pelo "Movimento das Diretas" e continua em curso nos diferentes segmentos da sociedade civil organizada, inclusive no âmago dos partidos políticos.

Considero que o bem maior pelo qual lutamos, você incluída, é a democracia. Nosso compromisso com ela deve estar acima de nossas paixões, de nossas alianças, de nossos muitos interesses. Com isso, quero dizer que o compromisso democrático não deve permitir que, ao fazermos certas análises, nos esqueçamos da própria história. Se o nosso compromisso democrático é real, não podemos nos dar ao desfrute de tentar atingir alguns objetivos fazendo conjecturas que contribuem para desqualificar e desmerecer as pessoas e desrespeitar as instâncias democráticas tão duramente conquistadas. Aliás, Dóris, você parece ter clareza disso ao desejar que as lideranças políticas rendam-se à democracia. Eu não usaria rendam-se, mas essa foi, no meu entender, a sua forma de pedir respeito ao processo democrático.

Fico imaginando como seria o presente se lá pelos idos de 1984/85 a comunidade universitária tivesse se rendidoàs leis vigentes. Não esqueçamos que realizamos um Congresso Universitário com participação (paritária) de docentes, servidores e estudantes. A comunidade assumiu a titularidade do processo de escolha do reitor e estabeleceu, através do Congresso Universitário, as regras e a condução da primeira eleição direta na UnB.

Em 1985 realizamos uma eleição paritária, em dois turnos (Regulamento de Consulta visando à elaboração de lista sextupla para escolha do reitor da Universidade de Brasília,1985*).

Naquela ocasião, vigia a Lei 5.540 de 28 de novembro de 1968, revigorada pela Lei 7.177 de dezembro de 1993, no que se refere à escolha de dirigentes de fundações de ensino superior. Será que o revigoramento teve alguma coisa a ver com o período em que vigorou o AI5?. De qualquer forma, a escolha de dirigentes de universidades era prerrogativa do chefe do poder executivo, a partir de lista sêxtupla elaborada pelo Conselho Universitário.

Mesmo assim, fizemos a eleição, elaboramos uma lista sêxtupla. Acho que todos nós lembramos muito bem da luta e de todos os percalços enfrentados pela comunidade para conseguir que nossa lista sêxtupla fosse considerada pelo CONSUNI. Não foi simples, foi uma dura batalha, não conseguimos tudo o que queríamos. Julgo, entretanto, que conseguimos algo muito maior do que escolher um reitor, colocamos em curso o processo de democratização na UnB.

Aquela foi a primeira eleição, sem ela certamente não teríamos as que se seguiram. Vejamos as regras das demais:

Em 1989, eleição paritária, turno único (Regulamento da Eleição para Reitor da Universidade de Brasília, 1989*). Desta feita, o CONSUNI foi introduzido no processo, coube àquele colegiado homologar as deliberações do Congresso Universitário. O processo democrático de escolha de dirigentes institucionaliza-se. A participação da comunidade universitária no processo de escolha do reitor era reconhecida, tinha a chancela do colegiado máximo da instituição.

Mudamos nossas práticas, as leis continuavam as mesmas desde 1968.

Em 1993, o CONSUNI estabeceu as regras do processo eleitoral (Resolução CONSUNI 004/93 de 12 de maio de 1993*), eleição paritária, dois turnos. Consolidava-se a institucionalização do processo eleitoral. E as leis? Estas continuavam as mesmas!

1997, grandes mudanças, o Colégio Eleitoral Especial (CONSUNI+CEP+CAD) regulamenta a consulta, turno único e 70, 15, 15 foram os pesos dos votos dos três segmentos. Agora, sim, entrara em vigor a Lei Paulo Renato (Lei 9.192 de 21 de dezembro de 1995*, regulamentada pelo Decreto 1.916 de 23 de maio de 1996*) e nossa prática ajustava-se a ele. Garantimos o peso de 70% para a manifestação do corpo docente. Nos demos a liberdade de fazer a votação uninominal como determinava a legislação, escolhemos chapa.

2001, turno único e 70, 15, 15 ,quase repetimos o processo anterior, com uma alteração, o CONSUNI estabeleceu as normas e a composição do Colégio Eleitoral Especial foi alterada, dentro, é óbvio, da lei.

Nossa história de obediência e submissão, Dóris, é bem recente, assim com é recente esse esquema 70/15/15 nas eleições. Não temos o direito de fazer crer que sempre foi assim ou tentar convencer a comunidade de que propor algo diferente é pura artimanha política. Não, não é só isso, temos uma história de eleições paritárias, temos princípios que sustentam esta posição, isso é escolha política. Quanto aos dois turnos, todas as vezes que ele foi previsto, teve como objetivo legitimar o processo eleitoral, veja as normas e você verá que assim foi.

Com relação aos estudantes, fiquei indignada com a sua sugestão de que estariam sendo manipulados pelos dirigentes da ADUNB ("Qualquer pessoa presente pode ver que alunos-conselheiros comandavam - sob constantes trocas de conversas com dirigentes da ADUnB"). Pensei ter entrado no túnel do tempo e estar revendo cenas de triste lembrança. O cordéis dos marionetes que outrora diziam que partiam de Pequim, Moscou e Havana, agora estão na mão do sindicato. No passado, o argumento era dos militares, hoje é usado por uma professora que eu acreditava progressista. E os estudantes? Continuam sendo desrespeitados, como se incapazes fossem. Há mais de quatro décadas a pauta do movimento estudantil tem mantido alguns pontos que continuam em aberto: autonomia universitária, ensino público e participação na estrutura de poder da universidade. Quem mesmo tem sido incapaz?

Ouso pensar que como professores universitários deveríamos ter muito cuidado com as palavras. Sabemos perfeitamente que não são neutras, que podem esconder ou repetir a história e desqualificar o coletivo e revelar nossos preconceitos. Além de tudo que já comentei, não havia uma outra palavra, com menor carga de preconceito, que pudesse ser usada em substituição ao "denegrir" que você usou?
Com o meu lamento,

Mariza Monteiro Borges
*Tenho cópia de todos os documentos assinalados com asterisco.

Um comentário:

Mariza Monteiro Borges disse...

Entendo que quando se escreve uma carta aberta perde-se ela ganha "vida propria" e circula por aí sendo usada com ou sem propriedade. Não retiro uma vírgula do que escrevi mas gostaria de ressaltar que a escrevi em maio de 2005, ocasião na qual discutíamos, sem uso de força ou repressão as regras para a eleição do reitor naquele ano. Espero que fique bem claro que o resgate daquele documento pelo movimento de ocupação deve-se somente às idéias nele veiculadas e não à minha posição política com relação à ocupação da reitoria.
Mariza Monteiro Borges