Olhe, por favor, ali ao lado daquelas bandeiras do Brasil. Destas sombras que deslizam dançarinas nas paredes de concreto, emerge um deus que perdemos em nossas infâncias e em nossas adolescências. Lembra-se dele? Este deus justo está em cada palavra destes meninos e meninas que vieram servir os melhores dias de suas vidas neste templo escuro do Saber. Em homenagem a este saber, entregam suas preciosas horas em oferenda à justa causa da preservação do bem comum. Mas aqui Sra. Cristriane, aqui neste pináculo é que eu gostaria de mostrar o que eles já me mostraram. Espere um pouco, na escuridão é difícil mesmo enxergar. Olhe com mais calma e longamente, a sra. poderá ver o que eles estão fazendo. Está vendo lá, depois do lago, depois do palácio, no cimo daquela colina? Enxergue longe, por favor. Aquele clarão no horizonte. São lanternas que eles carregam para iluminar o caminho e chegar aqui. Eu sei, a sra. tem razão, parece o alvorecer. Veja como são muitos. Veja o alcance da ocupação destes estudantes, como se estende. Veja que eles todos caminham desajeitados, em um terreno muito acidentado, lodoso, pedregoso para chegar até aqui. Muitos não chegam, ficam pelo caminho acidentados e depauperados. Mas alguns milhares chegam e cá estão. Chegando aqui, veja a sra. ali nos andares de baixo como eles são ordeiros, politizados e desapaixonados pelos bens materiais. Não, eles não estão cansados. Senão, não ficariam varrendo, limpando a sujeira, arrumando as tralhinhas deles, lendo, debatendo e atendendo a todos com cortesia. Veja como a ocupação, que a sra. chama de invasão (tanto faz a retórica neste momento) é ordeira, pacífica e organizada. Veja sra. Cristiane como este espaço está tão bem feito para os estudantes, de como eles agora se sentem tão em casa e como cuidam como se fosse a cada deles. Não permitindo a religação de água e de luz, argumentando que eles são os responsáveis por tal situação, é coloca-los fora de um espaço que também lhes pertence - talvez mais do que a todos, e que estão zelando como se fosse a casa deles. Mandando a polícia retira-los, é punir a quem cuida bem da própria casa. Muitos moram aqui perto, avizanhados da reitoria, em um agregado de minúsculos apartamentos chamado Casa dos Estudantes. Eles estão em casa, uma casa que lhes foi negada na penúria de suas esperanças por uma educação cidadã melhor. Penúria de esperanças que juntas formaram a maior riqueza deste século na UnB: a dedicação à causa pública, o amor à causa dos mais fracos, balizando o uso ético dos recursos gerados por cada juiz, cada professor, cada faxineiro, cada um de nós trabalhadores.
Já pensou Sra. Cristiane se estes estudantes ocuparem (ou invadirem) o Brasil? Não haverá polícia, escuridão ou falta de água que façam eles se descuidarem daquilo que é meu, seu, deles e das tantas gerações qua ainda vão pisar neste solo.
Vanner Boere (vannerboere@uol.com.br)
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